(fragmento de A defesa tem a palavra / Evandro Lins e Silva. – 4ª ed. - Rio de Janeiro: Booklink, 2011.)
(Três casos de infanticídio.
Estreia de Carlos Lacerda no júri e um poema de Bertolt Brecht)
No ano de 1934, Carlos Lacerda,
ainda estudante de direito, estreiou comigo no júri. Defendemos uma doméstica,
Castorina Ramos Teixeira, acusada de infanticídio. Segundo a denúncia, ela
matara o filho, na hora do parto, no banheiro da casa da patroa.
O promotor Carlos
Sussekind de Mendonça, depois procuradorgeral da Justiça, no governo de Carlos
Lacerda, pediu a absolvição, por motivos de ordem social e econômica,
reconhecendo em favor da ré a dirimente da perturbação
dos sentidos e da inteligência, contemplada no Código Penal de 1890 e
não reproduzida no Código de 1940.
Não aceitamos a
proposta da acusação. Negávamos a autoria, e continuamos a negá-la, sustentando
não haver prova de vida extrauterina do feto. O exame cadavérico concluía pelo
infanticídio, sob o fundamento de que a criança sobrevivera, partindo de uma
prova insuficiente. Os peritos haviam procedido apenas à docimasia hidrostática
pulmonar, que consiste em fazer um corte do pulmão e colocá-lo numa cuba de
água. Se o pulmão boiar é porque houve respiração e, portanto, vida
extrauterina.
Carlos Lacerda, com o
seu talento, não parecia um estreante. Fez uma defesa excelente. A nossa defesa
consistiu em demonstrar a falibilidade da docimasia hidrostática pulmonar.
Fizemos um levantamento minucioso de quantos livros de Medicina Legal podiam
ser consultados. Orfila, Carter, Briand et Chaudé, Souza Lima, Afrânio Peixoto,
de que me lembro, foram por nós citados, em amparo de nossa posição defensiva.
O júri acolheu a nossa tese e a ré foi absolvida pela negativa de autoria. Havia
dúvida séria quanto à sobrevida
do feto.
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