sexta-feira, 4 de setembro de 2020

SABIA DESSA DO LACERDA?

 (fragmento de A defesa tem a palavra / Evandro Lins e Silva. – 4ª ed. - Rio de Janeiro: Booklink, 2011.)

 

(Três casos de infanticídio. Estreia de Carlos Lacerda no júri e um poema de Bertolt Brecht)

 

No ano de 1934, Carlos Lacerda, ainda estudante de direito, estreiou comigo no júri. Defendemos uma doméstica, Castorina Ramos Teixeira, acusada de infanticídio. Segundo a denúncia, ela matara o filho, na hora do parto, no banheiro da casa da patroa.

O promotor Carlos Sussekind de Mendonça, depois procuradorgeral da Justiça, no governo de Carlos Lacerda, pediu a absolvição, por motivos de ordem social e econômica, reconhecendo em favor da ré a dirimente da perturbação dos sentidos e da inteligência, contemplada no Código Penal de 1890 e não reproduzida no Código de 1940.

Não aceitamos a proposta da acusação. Negávamos a autoria, e continuamos a negá-la, sustentando não haver prova de vida extrauterina do feto. O exame cadavérico concluía pelo infanticídio, sob o fundamento de que a criança sobrevivera, partindo de uma prova insuficiente. Os peritos haviam procedido apenas à docimasia hidrostática pulmonar, que consiste em fazer um corte do pulmão e colocá-lo numa cuba de água. Se o pulmão boiar é porque houve respiração e, portanto, vida extrauterina.

Carlos Lacerda, com o seu talento, não parecia um estreante. Fez uma defesa excelente. A nossa defesa consistiu em demonstrar a falibilidade da docimasia hidrostática pulmonar. Fizemos um levantamento minucioso de quantos livros de Medicina Legal podiam ser consultados. Orfila, Carter, Briand et Chaudé, Souza Lima, Afrânio Peixoto, de que me lembro, foram por nós citados, em amparo de nossa posição defensiva. O júri acolheu a nossa tese e a ré foi absolvida pela negativa de autoria. Havia dúvida séria quanto à sobrevida do feto.

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