terça-feira, 14 de agosto de 2018

EMPRESA DE ÔNIBUS CONDENADA A INDENIZAR PASSAGEIRO




Imagine a seguinte situação: você tem dificuldade de locomoção e os motoristas de uma determinada empresa de ônibus, reiteradamente, se negam a parar num ponto para que você embarque. Tal comportamento dos motoristas é repetitivo, o que obriga você a se esconder e somente depois que o ônibus pare aparecer para embarcar. Ainda assim, por diversas vezes você teve o embarque obstado pelo próprio trocador.
Agora, imagine que você é um cadeirante, uma pessoa portadora de deficiência física e que precisa, regularmente, se locomover de transporte público, seja indo para o trabalho, a escola, ou a qualquer outro compromisso.
Esse comportamento da empresa / motoristas, que antes já parecia reprovável, agora parece extremamente discriminatório, não é?
Parece plausível isso acontecer?
Pois foi isso o que aconteceu com um cadeirante, na cidade mineira de Juiz de Fora.
Dia após dia, de forma contínua e reiterada, motoristas e trocadores impediam o embarque do passageiro ou alegando que o elevador estava quebrado ou passando direto do ponto quando o avistavam. O cadeirante percebeu, também, que quando se escondia o ônibus da empresa paravam no ponto com mais frequência do que quando ele estava no ponto.
O passageiro cadeirante diante de tantas infrações ao seu direito de acessibilidade, de locomoção, de transporte, direito este garantido não só em legislação brasileira mas também em pactos internacionais (v. g.: Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e Lei 13.146/2015 - Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência – LBI -) impetrou uma AÇÃO DE COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS em face da Empresa de Viação.
Considerando que não havia provas suficientes do alegado pelo impetrante/cadeirante/passageiro de ônibus, o juiz de primeiro grau julgou improcedente o pedido de indenização. Inconformado, o impetrante recorreu. No TJ-MG, sua ação foi acolhida e a empresa condenada ao pagamento de indenização no valor de R$ 25.000,00, a título de danos morais.
Veja trecho da decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, extraído do voto da Ministra Relatora do STJ Nancy Andrighi:
“Examinando acuradamente todo o processado, constatou-se que a ré/apelada não se desincumbiu de seu ônus probatório disposto no artigo 373, II, do NCPC, enquanto o autor/apelante demonstrou, satisfatoriamente, o defeito na prestação dos serviços de transporte fornecidos por aquela (ré).
Isso porque, em que pesem as declarações da empresa ré de que sempre atuou em consonância com as suas atribuições de concessionária de transporte público, as provas testemunhais colhidas em audiência corroboram no sentido da existência de sucessivas falhas nos serviços prestados. Confira-se:

“(...) que esclarece que o depoente é cadeirante e em 60% (sessenta por cento) das vezes utilizou o transporte coletivo da ré teve problemas; que as vezes o elevador não funciona; que o trocador pede para pegar o próximo coletivo, também sob a alegação de não funcionamento do elevador; que por algumas vezes o depoente foi
deixado no ponto.” (Testemunha m – DE nº 55, pág. 2)

“(...) que por diversas vezes já presenciou o autor ser deixado nos pontos de onibus; que tal fato acontece com as linhas 601 e 602; que às vezes os motoristas falam que o elevador está estragado; que também alegam que a cadeira não cabe no ônibus; que tal fato não é verdade pois ela se adapta perfeitamente ao interior do coletivo.” (Informante n – DE nº 56, pág. 1)

“(...) que por diversas vezes os responsáveis pelo coletivo se negavam a embarcar o autor; que a empresa alegava que o elevador somente poderia ser utilizado quando a pessoa estivesse com uma cadeira de rodas; (...) que mesmo após o autor ter adquirido a cadeira de rodas os representantes da ré não permitiam que o réu [sic] embarcasse com ela, alegando que ela era muito grande, sendo que um afirmou que ela poderia até mesmo quebrar o elevador; (...) que já teve ocasiões do autor ter que ficar escondido e o depoente fazer o sinal para o coletivo parar, pois se o motorista o visse não parava o coletivo.” (Testemunha j – DE nº 57,
pág. 02)

Não há dúvidas, portanto, que a empresa ré deixou de cumprir com as suas obrigações de concessionária, estando configurado o vício na prestação dos serviços de transporte público oferecidos, seja pela falha na manutenção dos seus veículos, com os elevadores de cadeiras de roda constantemente com defeito, seja pela desídia de seus prepostos em não parar o veículo para o autor/apelante, chegando à inusitada situação de, como narrado, o requerente precisar se esconder e pedir a outra pessoa dar o sinal, pois o motorista do ônibus não pararia se o visse no ponto.
Dessa maneira, observa-se que a narrativa fática do autor encontra respaldo  probatório coerente, sendo que a ré não se desincumbiu, minimamente, de apresentar elementos que desconstituam o direito do autor, limitando-se a meras alegações e depoimentos genéricos.
Destarte, tem-se configurado o nexo de causalidade entre o dano e a conduta da concessionária, e, por conseguinte, o dever de indenizar, cabendo tão somente a análise da ocorrência ou não dos danos morais alegados pelo autor/apelante”.


Assim, sua ação chegou ao STJ – Superior Tribunal de Justiça – onde foi julgada em 19/06/2018.
E o que entendeu o STJ? Que o impetrante / autor da ação, tem razão; que a empresa de ônibus, através de seus prepostos (empregados) violou de forma repetida os direitos assegurados aos deficientes e os direitos relacionados ao transporte coletivo; que a empresa de ônibus deve indenizar o passageiro pelos danos morais, confirmando a sentença do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, no valor de R$ 25.000,00.
Os direitos de acessibilidade, corolário do direito ao transporte público de qualidade, fazem parte inextricável dos Direitos Humanos, com função isonômica. São direitos que amparam não apenas usuários que apresentem alguma deficiência, mas também todos os demais usuários de transportes públicos, de forma especial quem tem alguma dificuldade de locomoção, seja decorrente da idade seja decorrente de causa transitória, inclusive crianças / jovens.
Ainda que o magistrado de primeiro grau não tenha conhecido da Ação e negado ao autor o direito à indenização, a inconformidade do autor e de seu advogado levou à vitória final, em grau de recurso.

quarta-feira, 8 de agosto de 2018


Whatsapp e Sigilo telefônico – I (jurisprudência do STJ)

Você sabia que os dados armazenados no seu telefone celular estão protegidos pelo direito constitucional ao sigilo telefônico? Somente por ordem judicial tal sigilo pode ser quebrado.
É o que preleciona o inc. XII do artigo 5º da Constituição Federal: é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal”.
Vejamos os detalhes:
Pode a autoridade policial (Delegado), ou qualquer policial, ao apreender um telefone celular de alguém preso em flagrante, acessar o aplicativo de Whatsapp e ler as conversas sem autorização do proprietário do aparelho e sem ordem judicial?
Não pode.
Veja-se o que diz a jurisprudência do STJ a respeito, em julgado da 6ª Turma em abril de 2016:

“Sem prévia autorização judicial, são nulas as provas obtidas pela polícia por meio da extração de dados e de conversas registradas no whatsapp presentes no celular do suposto autor do fato delituoso, ainda que o aparelho tenha sido apreendido no momento da prisão em flagrante” (STJ, 6ª Turma, RHC 51.531, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 09/04/2016) – Informativo 583 (negrito meu)




Whatsapp e Sigilo telefônico – II (jurisprudência do STJ)

Ainda no exemplo de apreensão de aparelho celular de um preso em flagrante, sem ordem judicial, caso o delegado verifique nas mensagens / fotos / vídeos, etc, do aplicativo Whatsapp a prática de diversos outros crimes, pelo proprietário do celular, o oferecimento de denúncia pelo Ministério Público pode ter por base esses dados juntados no inquérito como elementos informativos?
Não pode.
Em outro julgado, de outubro de 2016, a 5ª Turma do STJ discutiu esse tema e ratificou entendimento anterior, de julgamento de abril:

"Na ocorrência de autuação de crime em flagrante, ainda que seja dispensável ordem judicial para a apreensão de telefone celular, as mensagens armazenadas no aparelho estão protegidas pelo sigilo telefônico, que compreende igualmente a transmissão, recepção ou emissão de símbolos, caracteres, sinais, escritos, imagens, sons ou informações de qualquer natureza, por meio de telefonia fixa ou móvel ou, ainda, por meio de sistemas de informática ou telemática”. (STJ, 5ª Turma, RHC 67.379-RN, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 20/10/2016) – Informativo 593 (negrito meu)

Nem a autoridade policial pode acessar conteúdo de celular apreendido, ainda que num contexto de prisão do proprietário, nem o Ministério Público pode usar os dados acessados daquela forma como fundamento para denúncia, se não houve prévia autorização judicial para o acesso aos dados.

O direito ao sigilo telefônico emana da Constituição da República

Art. 5º, inc. XII: é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal”.

e a desobediência à necessidade de autorização judicial para perícia do aparelho caracteriza constrangimento ilegal e torna nulas todas as provas aí obtidas, que deverão ser desentranhadas do processo.

CRFB/88: Art. 5º, LVI - são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos;

Ainda que a autoridade policial argumente que, ao acessar o aparelho, o faz albergado pela lei processual penal, (art. 6º, incisos II e III, do CPP) tal argumento não foi aceito pelo STJ, como visto. Assim sendo, não só as provas encontradas no aparelho celular como TAMBÉM as decorrentes dessas provas serão consideradas nulas e não poderão ser utilizadas em denúncia do Ministério Público muito menos para fundamentar processo penal.



ARQUIVOS DO INQUÉRITO PÚBLICO JK

 Vez por outra surge a controvérsia: JK foi assassinado ou foi vítima de homicídio? Inquérito foi instaurando, investigações feitas e, mais ...